quarta-feira, 16 de julho de 2008

Dilema nosso de todo dia

[Acho que estou com a matraca mode on]


Chegou com aquele ar de quem estava correndo. O rosto avermelhado, algumas gotinhas de suor na linha do cabelo, óculos-enormes prendiam a franja-enorme daquele corte-curtíssimo. Largou a bolsa numa cadeira vazia. Pediu um chocolate quente ao garçom, disse oi para as amigas e desembestou a falar. Tudo ao mesmo tempo. Ou quase.


Ela sempre foi elétrica. Parecia ligada numa corrente de 220 volts. Absorvia toda e qualquer informação de qualquer lugar. Sabia de História, sociologia, design, tecnologia, um tanto de sacanagem, outro pouco sobre música e nada sobre ela mesma.


A decisão de mudar este quadro tinha sido tomada a pouco. Meditação nunca foi seu forte. Achava balela a hipótese de parar a torrente de pensamentos por um segundo sequer. Para fazer yoga precisaria de mais flexibilidade do que ela dispunha nesta vida. Talvez na próxima. Optou por caminhar e fazer análise. Por um lado oxigenava o cérebro e arejava as idéias, por outro teria alguém a quem dirigir a enxurrada de pensamentos.


- Vem cá, vocês já pensaram sobre essas exigências idiotas que a gente tem, e que faz a gente se cobrar de um jeito desumano?


Nem sempre o papo era cabeça. Ela não suportava o politicamente correto [um saco, por sinal!]. Não se prendia aos modelos vigentes. Ou assim pensava ser. Depois de alguns dias de análise freudiana, viu que não era bem assim.


De certa forma, aquele momento era especial. As recentes dúvidas, aquele monte de perguntas não respondidas tinham sido um golpe na sua auto-estima. Era como se olhar no espelho e não se reconhecer. Estava tímida como nunca. Mas era exatamente este recuo que a deixava ainda mais observadora. Ela sempre fora o centro das atenções. Agora, ao se colocar de lado, meio invisível por instantes, podia ver tudo. Só não dava conta de que ainda chamava atenção.


Estar de “fora” das situações, como freqüentemente se descrevia, de repente passou a ser uma forma de analisar melhor os acontecimentos. O que parecia ruim se transformou em ponto-de-observação-privilegiado.


Era como ouvir o eco do que fora dito ou feito. Ter uma segunda, terceira, quarta chance de ler nas entrelinhas, separar joio do trigo, ir ao cerne da questão. Porque não são só as pessoas que usam máscaras...


- Amiga, você pode me dizer de onde fui tirar a idéia de que só pode ser assim? Por que raios eu não aceito as n outras maneiras de se fazer uma coisa?


A amiga ficou ali com cara de atriz-escada que, com um olhar, dá a deixa da próxima fala da estrela do show, com a certeza estampada no rosto: aquele papo era todo retórico.


A inquisitora continuou: - ou ainda, me diz, vai... por que os homens passam pela minha vida, sem que eu realmente me interesse por eles? Não, porque eu até me apaixono! Caio de amores e até acho que é o homem da minha vida. Mas uma hora acaba. E percebo que não tinha conteúdo. Era eu quem o preenchia com significados que me interessavam na hora. Por quê?! POR QUÊ???


Ela tinha todas as perguntas do mundo girando na sua cabeça. E nada de respostas.


...


As marcas que vejo nas pontas dos meus dedos, assim como o rajado verde-amarelado dos meus olhos dizem que sou única. Os filtros que usei para perceber o que me cerca foram desenvolvidos por mim, dentro desta mesma realidade, também são únicos. Por mais que a cultura nos una. Ainda que nossas crenças nos aproximem. Somos distintos. Embora assustadoramente parecidos.

Queremos as mesmas coisas. E tudo bem se as queremos por razões diferentes.

Eu penso assim, você crê no contrário. Não nos damos conta de que os motivos são os mesmos.

E assim, distintos mas uniformes, vivemos os mesmos dilemas diariamente.