terça-feira, 31 de julho de 2007

O vinho do princípio


Ela segurava aquela taça como quem prende o mundo. Como quem segura o momento entre as mãos. Mãos frias de nervosismo. E a taça, a única coisa concreta naquele instante, a trocar calor com as mãos suadas de tensão. Nem o líquido tinto, encorpado, parecia real. Escorria pela garganta sedenta de grito. E desaparecia. Todos os sentimentos estavam ali, misturados. Tal qual numa garrafa rotulada, lacrada, meio guardada, meio exibida na adega. Sentimentos aprisionados. Sensações concentradas. O decanter se fazia necessário. Afinal, como apreciar a vida com tanta acidez? Respirar. Ela precisava respirar. Aspirar passado-presente-futuro de uma só vez, a encher os pulmões. E, entre-lábios, deixar que o ar saia de mansinho, até o fim. Para mais uma vez encher-se de mundo, de paz, de vida.

* ilustração vinda diretamente da Macacolândia. Espetáculo, não? *